sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

D. Carlos I

Antes de tudo é preciso não esquecer uma coisa. A História é feita pelos vencedores! Como tal, toda a História do final da monarquia em Portugal (reinados de D. Carlos I e D. Manuel II) e da consequente implantação da república tem sido contada sobre o prisma republicano, melhor dizendo, tem sido passada ao abrigo de muita propaganda republicana, o que faz com que, hoje em dia, quando se fala de monarquia em Portugal, muita gente a associe ao regime absoluto, esquecendo o exemplo, que nos chega até da nossa vizinha Espanha, das monarquias constitucionais parlamentares.

Posto esta introdução há que referir que o reinado de D. Carlos tem sido muito mal estudado e muito mal compreendido, em parte por culpa da acção republicana (quase que numa tentativa de justificar o seu envolvimento no Regicídio e a sua acção no 5 de Outubro de 1910, em que instaura um regime em Portugal de forma violenta sem nunca o ter referendado e nem permitindo que o seja). Só agora, passados 100 anos sobre a sua morte, se começam a editar alguns trabalhos que procuram dar alguma luz sobre aquele que foi um dos nossos melhores reis e o ambiente em que viveu. Falta, no entanto, reconhecer-lhe o devido tributo. Tentando não me alongar muito, vou aqui procurar dar um pouco desse reconhecimento merecido ao penúltimo rei de Portugal.

Normalmente o que nos ensina o establishment sobre este período? Reduz todo um reinado a dois factos apenas: a questão do Ultimato e do Regicídio, sempre apontando o dedo da culpa ao monarca. Por sua vez, dá muita importância a certos acontecimentos que, na altura, passaram despercebidos no país, nomeadamente a dita revolta republicana do Porto de 1891.

O que fica então por dizer? É certo que o início do reinado de D. Carlos ficou logo marcado pela questão do Ultimato que nos opôs à nossa histórica aliada. É certo que a Inglaterra representava, na altura, a maior potência colonial e militar do mundo. O governo e D. Carlos tomaram a única decisão possível dentro da conjuntura que se lhes apresentou.

É a partir desse episódio que realmente começa a grande obra de D. Carlos enquanto rei. O monarca soube inverter a situação e, através daquilo que hoje em dia se considera uma moderna e eficaz acção diplomática, conseguiu colocar Portugal na mesa dos principais países europeus. Para isso contribuiram essencialmente dois factores: as ligações familiares do rei com as principais casas reinantes da Europa e as visitas de Estado pelas quais foi responsável, ora visitando países estrangeiros ora recebendo em Portugal os chefes de Estado das principais nações europeias.

Esta obra de diplomacia fez com que o rei português fosse tido com grande estima no estrangeiro, ao mesmo tempo que, dentro de portas, a imprensa mais liberal o escolhia a ele (e não só) como alvo dos mais violentos ataques (muitos episódios que, a acontecerem hoje, terminariam na barra dos tribunais). Portugal passou a ser um país respeitado internacionalmente numa altura em que as grandes potências olhavam com cobiça para as nossas possessões africanas.

Também a nível artístico e científico os dotes do rei eram reconhecidos. Mais uma vez, com maior destaque fora de portas do que neste nosso cantinho à beira mar plantado. Também dentro do país D. Carlos fez várias visitas (um pouco ao estilo daquilo que muitos anos mais tarde Mário Soares irá fazer com as chamadas presidências abertas).

Politicamente Portugal encontrava-se, desde a segunda metade do século XIX num sistema rotativista, em que os interesses do país eram relegados para um segundo plano face aos interesses partidários e pessoais dos políticos. Era um regime em que a corrupção abundava. O papel constitucional do rei pouca margem de manobra lhe dava, mas o certo é que a situação estava de tal forma degradada que arrastava consigo todos os avanços que se iam conseguindo (muitos por obra tanto do rei como da raínha), hipotecando o futuro do país.

D. Carlos aproveita então uma dissidência num dos partidos para tentar mudar o status quo, apoiando João Franco, numa visão que iria pôr cobro ao cancro provocado pelo rotativismo. Muito se especula sobre esta temática. Sobre a questão da ditadura de Franco. Convém aqui referir uma coisa. Na altura, a ditatura (que foi por diversas vezes concedida) consistia em governar por decreto, sem as leis baixarem às Cortes (o correspondente actual da Assembleia da República) para aprovação. Era uma medida extrema para uma época caótica.

É um ponto que muitos apontam como negativo no reinado de D. Carlos. Aqui urge questionar sobre um ponto, entrando um pouco no mundo dos "ses". Se as medidas de Franco tivessem tido tempo para se colherem os respectivos frutos e não tivesse ocorrido o Regicídio que acabou por lhe pôr um fim antecipado, hoje em dia D. Carlos e o seu ministro seriam vistos como heróis reformadores de um sistema político já gasto. Como teria sido o futuro de Portugal? Não o sabemos, nunca o saberemos. Mas isso não nos devia impedir, enquanto país e povo civilizados (como gostamos de considerar que somos), republicanos ou monárquicos, de termos uma visão real daquela que foi a nossa História. E para essa visão temos que dar o respectivo valor a quem o merece, não continuando a passar ideias sob o filtro republicano. Há que libertar os espíritos e aceitar o nosso passado!

República ou Monarquia há que ser isento! Em 1908 um chefe de Estado português foi assassinado e tal deveria ser tido em conta na "celebração" da data e não ignorado como um facto menor pelo actual sistema. Mas essa é apenas e só a minha opinião!

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