sábado, 23 de fevereiro de 2008

Trabalhem ? ! ?

Ontem li uma notícia no site do Público que me deixou algo perplexo. Hoje aproveito para um comentário duplo: a essa notícia e ao que apareceu escrito no fórum do AEIOU.

O Público publica a reacção do presidente Cavaco Silva ao relatório da SEDES, que anuncia que existe em Portugal um "mal-estar difuso", cujas responsabilidades são atribuídas a acções governativas, entre outras. Perante este relatório que apresenta o que toda a gente já sabe, pois basta olhar em volta para nos apercebermos que o ânimo dos portugueses não anda pelo seu melhor (basta ver também que somos dos países da europa que mais antidepressivos consome), o Presidente da República, de acordo com a notícia do Público «convida portugueses a "trabalhar para vencer as dificuldades"».

É este tipo de resposta que me deixa perplexo e aproveito então o momento para introduzir aqui um texto que apareceu no referido fórum do AEIOU. Tem como título "A Geração (à)Rasca da Parvónia, que começa por "P” como Portugal…" e relata-nos a visão de um país que não anda longe da realidade, mas que muitos teimam em não ver para, num resultado estatístico, poder jogar com os números e apresentar Portugal como um país civilizado!

Vou reproduzir aqui apenas dois excertos desse texto e que ilustram o que procuro transmitir:

«Moro na casa dos trinta, sim, esses que conhecem The Doors, the Cure, U2, Roling Stones, Sex Pistols, entre outros admiráveis artistas musicais, e que igualmente admiram Amália Rodrigues, Carlos do Carmo, Toni de Matos, Xutos, GNR, etc ...sim, dou desses…, desses apodados de “Geração Rasca”. Pertenço a essa Geração, constituída pelos jovens licenciados, pós-graduados e mestrados, que falam duas ou mais línguas, que realizaram estágios e que só conseguem obter empregos precários com remunerações inferiores a 1000 euros, que não perdem a oportunidade de se alimentarem das saborosas migalhas confeccionadas, com amor, pela mãe.

(...)

Sim, sou dessa geração qualificada que vive (arrascamente) numa qualquer Parvónia, que começa por “P” como Portugal. Dessa geração onde ser licenciado em Medicina, Enfermagem, Economia, Gestão, Direito, Sociologia, Engenharia, Arquitectura, etc, dá direito a um acesso a um qualquer concurso para call-center, desde que, tenha menos de trinta anos, a idade da Geração (à) Rasca.»

E é assim que as coisas são tratadas neste nosso cantinho à beira-mar plantado e que dá pelo nome de Portugal em que, perante um relatório que apresenta o mal-estar vivido no país, o Presidente da República se limita a dizer uma quase "vão mas é trabalhar"!

Penso que ninguém é adverso ao trabalho e que todos os que investiram na sua formação se procuram sentir realizados profissionalmente. Mas para que tal aconteça, o País (com todas as entidades envolvidas) tem que dar os meios necessários para isso.

E é neste campo que se observa como Portugal não evoluiu, nem a nível de abertura de espírito nem de civismo, e continua a situar-se ao nível dos ditos países terceiromundistas.

Ora vejamos alguns exemplos! Uma pessoa estuda, tira o seu curso, avança para uma pós-graduação ou mestrado e depois o que a espera?

1- Se tiver o dito Factor C... perdão... o Factor Q.I. (de Quem Indica, pois há que actualizar os termos) consegue arranjar um lugar num sítio qualquer a auferir um vencimento confortável.

2- Se não consegue ter os recursos para se enquadrar no ponto 1, há que lutar muito, ir a várias entrevistas, para acabar por ir trabalhar para um call center ou como caixa num supermercado, onde vai auferir uns míseros 600€ (se tanto).

3- Se tenta mudar o rumo à sua vida repara que as portas se lhe fecham todas. Os motivos? Tem habilitações a mais ou então não tem as habilitações necessárias, porque a maioria das empresas em Portugal continua a ter uma mentalidade tacanha de não olhar ao perfil, mas antes à formação académica, como se as pessoas fossem meros seres limitados e que só servem para fazer o que vem na sua formação académica inicial. Atenção senhores! A formação académica inicial é apenas e só isso mesmo, INICIAL, não limita uma pessoa a outras funções noutras áreas, o que é preciso é saber dar uma oportunidade.

4- Depois temos as ditas empresas de trabalho temporário e recrutamento. Para que deveria servir uma empresa deste tipo? Muito simples na minha opinião (que é o que acontece nesta Europa civilizada à qual teimamos em dizer que pertencemos, mas apenas por um acidente geográfico). Deveriam servir para suprir necessidades temporárias das empresas ou, então, para recrutar funcionários em que passado esse primeiro contrato temporário (o dito período experimental), tendo já provado o seu mérito, viessem então a entrar para os quadros da empresa para a qual foram trabalhar. Mas cá em Portugal servem apenas para tornar mais precário o mercado de trabalho.

5- Tudo isto depois acaba por influenciar em vários níveis a vida do jovem que se quer sentir realizado e um elemento de mais-valia para o seu país. A nível bancário por exemplo. E aí entramos no campo da compra de casa (porque ainda não vi nada de efectivo no apoio ou auxílio ao arrendamento). Uma coisa curiosa no mercado habitacional em Portugal é que a grande maioria das casas são caríssimas e construídas com uma qualidade que deixa muito a desejar. O lobby do imobiliário, apesar de apresentar lucros constantes, está também constantemente a referir-se a uma crise que parece inultrapassável.

Perante todas estas provações em que um jovem tem que passar para tentar organizar minimamente a sua vida, muitas das vezes recorrendo ao apoio de familiares e muitas outras sentindo-se desamparado, tendo que manter dois trabalhos para conseguir sobreviver, ainda tem que ouvir da boca do seu Presidente, que devia velar pelos interesses de todos, as palavras "Trabalhem..."!

E depois admiram-se que há toda uma nova geração de emigrantes qualificados que se vêem forçados a ter que abandonar o seu país e ir procurar o reconhecimento e as oportunidades lá fora!

Mas sempre foi mais fácil governar uma população menos culta e que não reivindica tanto os seus direitos do que uma população interventiva e que não é tão permeável à propaganda e demagogia!

Mas ao menos somos "civilizados"!?

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